* Por Ana Sá Lopes, no DN de hoje.
A campanha do referendo sobre o aborto entrou na recta final. Se isto não foi bom, agora só pode piorar. Já eram expectáveis os folhetos mais ou menos terroristas que alguns leigos católicos têm distribuído pelas caixas do correio ou nas mochilas das criancinhas dos infantários de Setúbal. Já era previsível a comparação do aborto à "pena de morte" ou as mulheres que abortam a "assassinas" ou ainda a difusão da teoria de que a prática do aborto, caso seja despenalizada, será igualzinha à moda do telemóvel, tese popularizada pela eminência do "não" João César das Neves. Para quem esperava o pior, o pior não surpreende. Se Salazar está em vias de ser eleito o melhor português de sempre, é não conhecer o País imaginar que as coisas podiam correr melhor. Isto é isto. É isto - mal de quem o ama (ou não se livra).
Independentemente da vantagem do "sim", quase todas as sondagens assinalam uma descida das intenções de voto favoráveis à despenalização de Outubro para cá. Foi mais ou menos isto que se passou em 1998 - o "sim" perde terreno à medida que a campanha avança, porque o ruído é desmobilizador e a confusão instalada é propícia à abstenção. Mas, ao contrário do que diz Mário Soares, uma vitória do "não" será uma tragédia - perde-se a última oportunidade para acabar com uma alínea do Código Penal hipócrita (a prática do aborto, desde que clandestino, é socialmente mais aceite que a do incesto, por exemplo, que não é considerado crime à luz do Código Penal). Perde-se a última oportunidade para acabar com uma lei que condena as mulheres pobres às parteiras de marquise e à investigação judicial sobre a sua vida íntima, que não acabará com a suspensão de julgamentos defendida por boas almas que vão votar "não" no dia 11.
A derrota do "sim" será, efectivamente, uma tragédia: a menos que, numas próximas eleições legislativas, seja eleita uma mulher primeira-ministra - se Paula Teixeira da Cruz for candidata, eu voto PSD - não haverá mais referendos nem homens capazes de mudar a lei na Assembleia da República. A vidinha, os panfletos católicos, o lugar de Salazar enquanto grande português, esses continuarão habitualmente.
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