Poderia hoje escrever sobre a nomeação de Mademoiselle Ségolène Royal (mulher solteira, oriunda de uma família de militares tradicionais que vive há décadas em união de facto com o pai dos seus quatro filhos) como candidata do Partido Socialista Francês às próximas eleições presidenciais. Ou da eleição da Senhora Nancy Pelosi (feminista assumida, mas casada e mãe de cinco filhos e já com netos) para o cargo de Speaker (Presidente) da Câmara dos Representantes dos EUA – a terceira figura na hierarquia do poder nesse país. Ou, noutro registo, da confissão feita por Tony Blair acerca da deficiente preparação da invasão do Iraque, de facto, um erro estratégico com tão trágicas (e, infelizmente, duradouras) consequências. Mas esses não são, para mim, os temas da semana; esse só pode ser um: o referendo ao aborto.
Provavelmente vou chocar muitos – talvez a maioria das pessoas que fazem o favor de ler estas linhas que semanalmente escrevo – mas não ficaria de bem com a minha consciência se não manifestasse a minha opinião. E ser pusilânime é algo que não faz parte do catálogo dos meus defeitos. Aliás, chamando as questões morais a esta conversa apenas por esta vez, o que será imoral é não ter opinião, é ficar em casa no dia da votação (o Senhor Presidente da República, goste-se ou não, tem estado a cumprir escrupulosamente aquilo que ele prometeu na sua campanha eleitoral e não creio que vá agora faltar à sua palavra) e deixar aos outros a tomada de uma decisão tão crucial para a Comunidade.
Esta é sem dúvida uma questão estruturante para a vida do País – e por isso será verdadeiramente digno de excomunhão e do mais total ostracismo todo aquele que se atrever a, ou simplesmente o tentar, retirar dividendos políticos ou politico-partidários dos resultados da votação. E, por isso, é obrigação de todos nós, daqui até lá, mas começando imediatamente a fazê-lo, esclarecer-se e tirar todas as dúvidas que esta matéria naturalmente comporta. Sem ceder a demagogias, a terrorismos ideológicos e a argumentos cuja lógica está completamente deturpada. Ou a hipocrisias, sendo que a primeira delas é aquela que pretende dourar a pílula, dando ao aborto o pretensamente asséptico e politicamente correcto nome de interrupção voluntária da gravidez. Mas há outras. Por exemplo, esquecer que a protecção da Vida começa por evitar a gestação de filhos indesejados, ou seja, por um saudável planeamento familiar e pela generalização da educação sexual nas famílias e nas escolas, nomeadamente por uma extensiva divulgação, a sério, das práticas anticoncepcionais.
Porque, efectivamente, o aborto não é uma medida anticoncepcional nem um método correcto de planeamento familiar. Um aborto é um mal a evitar.
Só que o que está em causa nesta votação não é a legitimação do aborto, muito menos referendar consciências; o que está em causa são os limites da intervenção do Estado na vida privada das pessoas (se em Portugal tivesse havido uma verdadeira Revolução Liberal, este assunto já teria sido resolvido definitivamente há muitas gerações).
Por razões óbvias, não se pune o suicídio – mas nos Estados Civilizados, independentemente dos julgamentos morais das várias igrejas, também não se pune a tentativa de suicídio, que é, de igual modo, um atentado contra a Vida. A punição do aborto também se encontra neste nível de discussão – a inexigibilidade de certas condutas.
Não conheço uma mulher que, tendo abortado, não carregue consigo, por toda a sua vida, o peso traumático dessa tragédia e até conheço alguns homens cujas namoradas, companheiras ou esposas tiveram que abortar e que ficaram afectados por essa mágoa (já agora, se a fecundação de um óvulo comporta necessariamente uma intervenção masculina, que tal punir também os homens pelo aborto ?)
Falando a sério, porque o assunto não permite chalaças, a única questão que está em causa neste referendo é saber se vamos agravar ainda mais o sofrimento das mulheres que abortam chamando-lhes criminosas e tratando-as como tal. Nada mais.
Por mim, já há muitos anos que não tenho dúvidas: ninguém, muito menos o Estado e os seus agentes, tem o direito de castigar ainda mais essas mulheres colando-lhes mais este ferrete ignominioso. No dia do referendo vou votar SIM e até lá vou fazer campanha pelo SIM. E vou fazê-lo com a consciência tranquila.
Como se dizia nos EUA durante a Presidência de Bill Clinton, vamos manter o aborto legal, seguro e raro.
* artigo publicado no "O Primeiro de Janeiro", do dia 20 de Novembro, na sua crónica semanal "Linhas Tortas".
Eurico Reis é Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa
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4 comentários:
Porque voto NÃO:
Sou contra o aborto e contra a despenalização (mas contra penas estúpidas de prisão) porque:
1º. As ciências não são unânimes na definição do conceito "VIDA" apesar de o intuir e de a estudar.
(se alguém souber do contrário agradeço que mo diga)
Dessa forma a ciência tem difculdade em ter uma posição objectiva e universalista sobre a interrupção da geração de uma VIDA.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Vida
2º. Não existe um conceito único e também universal para o conceito "SAUDE".
O conceito varia de acordo com algumas implicações legais, sociais e econômicas dos estados de saúde e doença.
O mais aceite é o da Organização mundial de Sáude que diz :
"um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença.".
Separa o "mental" (imaterial) do "físico" (material).
3º Conclui-se através de um estudo cientifico que "Abortos voluntários podem resultar em traumas psicológicos que levam pelo menos cinco anos para serem superados" http://www.bbc.co.uk/portuguese/ciencia/story/2005/12/051212_abortoms.shtml
As causas mais profundas desconhecem-se pois estão no âmbito das questões de indole mental (espiritual) que a ciência ainda pouco conhece.
4. A Ciência Médica está em processo de mudança de paradigma no que concerne à profundidade das questões de índole espiritual.
(ex. mudança de paradigma: inclusão recente no Código Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde -CID 10 - no ponto F44.3- "Estados de transe e possessão"... http://www.datasus.gov.br/cid10/webhelp/f44.htm).
5º O homem é constituido por Corpo (material) e Espirito (imaterial) e que muito pouco conhece sobre si mesmo.
6º A Ciência Moderna ainda não me deu resposta como se processa a fusão da Mente (espirito) com o Físico (matéria).
7º Parece-me lógico aceitar a probabilidade (por mais reduzida que seja) que essa fusão se inicie no momento da fecundação com a consequente multiplicação das células.
8º Adicionalmente desconheço as consequências que podem advir pela minha contribuição, ainda que indirecta, para a interrupção desse processo (aborto).
9º A minha mente (espirito) intui-me a racionalizar de acordo com as teorias de probabilidades pelo que meramente do ponto de vista racional (teoria das probabilidades de Pascal) opto por não contribuir ainda que indirectamente para a promoção legal do aborto já que essa decisção me colocará num campo de probabilidade cujas consequencias desconheço mas que me podem afectar negativamente.
10 º Os médicos fazerm o juramento de Hipocrates que diz
"(...)não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva(...)
http://www.gineco.com.br/jura.htm
o Dr. Bernard Nathanson que convenceu 200 milhões de pessoas nos EUA a legalizar o Aborto e geriu uma das maiores clínicas de aborto do mundo....depois foi nomeado Diector de Obstetrícia e responsavél pelo departamento de Fetologia....
Acabou por se arrenpender e conta-nos algumas verdades ...
http://www.providafamilia.org.br/doc.php?doc=doc21689
http://www.youtube.com/watch?v=LMTMfrXaqRQ
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