quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

Artigo de opinião de Eurico Reis*

Uma vez mais, uma semana recheada de acontecimentos. Temos as notícias relativas ao crescimento económico, mas a esse propósito guardo silêncio porque não sou economista e não gosto de me pronunciar sobre coisas relativamente às quais não tenho conhecimentos suficientes. Temos os voos dos aviões de CIA que pararam nas Lajes, aparentemente (diz-se que sim) a caminho de Guantanamo. Aqui, a procissão ainda vai no adro, pelo terei muito tempo para tomar posição sobre o assunto. Há a viagem do Senhor Presidente da República à Índia – importantíssima, mas ainda não acabou.

Há a pré-campanha do referendo que se vai realizar a 11 de Fevereiro. Na minha qualidade de mero cidadão, despido de qualquer veste oficial, e como simples membro (não sou mandatário ou representante institucional) do Movimento Cidadania e Responsabilidade pelo SIM, terei oportunidade para expressar as minhas opiniões e não quero abusar deste privilégio que é poder contactar-vos semanalmente – aliás, já dediquei umas destas linhas à justificação da minha posição (a qual é apenas um dos argumentos usados por esse movimento a que pertenço para pedir aos demais cidadãos que a 11 de Fevereiro votem SIM). Todavia, perante a forma como as coisas estão a correr (será que as pessoas ainda se lembram do apelo do Professor Cavaco Silva ?), seja-me permitido, por uma última vez, abordar esta questão. Não digo que sejam meus amigos (sinceramente, não sei – mas também não me interessa), mas tenho respeito e até estima por pessoas que a 11 de Fevereiro irão votar NÃO. São pessoas que têm as suas convicções, que são diferentes das minhas, porque diferentes foram as nossas vidas e os ambientes familiares e sociais de onde emergimos. Mário Soares tinha (e tem) razão quando disse na última campanha eleitoral para a Presidência da República que é possível que duas pessoas sérias (intelectualmente honestas), informadas, ponderadas, sensatas e responsáveis, não consigam pôr-se de acordo quanto à solução a dar a um dado problema (aqui, o aborto clandestino). Entre outras razões, foi para evitar que esse dilema só possa ser resolvido através da força bruta que a Humanidade inventou a Democracia. Com este “método”, cada uma dessas pessoas, dirigir-se-á à Comunidade procurando convencer os seus concidadão que a solução que propõe é a mais adequada. E depois a Comunidade vota e opta por uma ou outra das soluções. Só que para isso há que garantir que o debate é leal – e que não são admitidas mentiras – e isso nem sempre acontece (Salazar soube que, em 8 de Junho de 1958, foi Humberto Delgado quem ganhou as eleições e não Américo Tomás – por isso acabou com a eleição directa e “universal” do Presidente da República).

Entre outros, há dois argumentos esgrimidos por partidários do NÃO que são tão falsos e manipuladores que me obrigam a sair a terreiro; um é que os partidários do SIM são a favor do aborto, e o outro é que, se o SIM ganhar (como desejo), estaremos a liberalizar irrestritamente o aborto. Nós os do SIM somos contra o aborto e é por isso que, ao contrário dos nossos oponentes, vimos há anos (mesmo antes de 1998) propondo a integração da educação sexual e do planeamento familiar nos curricula das escolas e também sessões de esclarecimento das famílias nas Juntas de Freguesia (tempo muito mais utilmente utilizado do que a ver telenovelas) – o que nós queremos impedir são as gravidezes indesejadas, que para nós são também um mal (menor que o aborto, mas ainda assim, um mal). Quanto ao outro argumento, o crime contra a vida intra-uterina continua a existir. O que pretendemos acrescentar (às 3 que já existem) é uma 4ª, em termos tecnico-jurídicos, causa de exclusão da ilicitude. Se acham que isto é liberalizar o aborto, então o melhor é que as pessoas do NÃO se atrevam a propor que não é possível à mulher violada abortar. Que culpa tem o nascituro que o seu “pai” tenha violado a sua mãe ?

*de Eurico Reis, Juiz Desembargador
Crónica do jornal "O Primeiro de Janeiro", de 15 de Janeiro de 2007.

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