sábado, 20 de janeiro de 2007

Revista de Imprensa: "Nas questões de consciência, como o aborto, não há partidos"*

Do DN, de hoje, entrevista com Paula Teixeira da Cruz.

Quais as razões que a colocam no campo do "sim" neste referendo ?
Basicamente, tomo a posição que tomei em 1998. Entendo que a única questão que está em causa neste referendo é saber se a resposta que a sociedade tem para dar a uma mulher que pratica aborto é a prisão. E é o único momento, devo dizer, em que não tenho nenhum tipo de dúvida: não, não é!

Que resposta é, então?
A resposta que a sociedade tem que dar a uma mulher nesta situação não é a prisão. Portanto, sou claramente pelo "sim" à despenalização. Acresce ainda que mesmo para quem entende que é crime, então haverá que entender que é sempre um crime que comporta uma auto-sanção porque a própria prática do acto implica uma sanção e isso, na minha opinião, já seria castigo suficiente. Por outro lado, só assim se porá um travão naquilo que considero ser a liberalização do aborto. Fala-se na liberalização do aborto mas liberalizado está ele agora porque não há regras, há um mercado clandestino e paralelo. Portanto, há razões filosóficas, razões de filosofia penal, sociais, e entendo ainda que há razões de profundíssimo respeito por quem se vê numa situação dessas. Essas mulheres merecem-me muito respeito.

E se o resultado do referendo não for vinculativo?
Eu não sou de soluções enviesadas e daí que também não tenha concordado com algumas iniciativas, como a suspensão do julgamento ou do processo. Nestas soluções não estamos a falar de nada, estamos a falar de mascarar realidades. Eu não sou mesmo nada partidária de soluções que não permitam alcançar o objectivo muito bem sintetizado numa frase de Bill Clinton: "Vamos torná--lo legal, mas raro e seguro." Basicamente é isso, vamos afastar comércios sórdidos, situações de grande miséria e de graves lesões para a saúde de quem o pratica. Jamais ficarei numa situação de aderir a meias soluções porque isso não nos vai permitir resolver nada. O que é que se quer? Estigmatizar as pessoas? Em nome de quê?

Em nome da vida?
Mas a vida não está em causa. Quando se penaliza está-se a empurrar para o aborto clandestino que muitas vezes já é uma dupla morte. Para já não falar de problemas de infanticídio relacionados com esta questão. Nós não estamos a discutir nem a vida nem a morte. Recuso-me a discutir o problema nesses termos. O que está em causa é saber se uma mulher que comete aborto deve ser punida com pena de prisão.

A Igreja tem falado de vida e morte.
Eu percebo e respeito, como percebo e respeito tudo o que vem de uma convicção religiosa. Agora, com toda a franqueza, não é isso que está em causa nesta consulta popular. O mesmo discurso, por razões de princípio, teve a Igreja em 1984, quando foi da alteração ao Código Penal, e isso é compreensível, mas também há muitos católicos que estão militantemente no "sim" porque têm um entendimento muito humanista.

Não lhe cria nenhuma questão sensível encontrar companheiros de partido noutra barricada?
Não, nenhuma! As pessoas têm de se habituar à liberdade, têm de se habituar à divergência de opiniões, têm de se habituar a olhar sem dramatismos para aquilo que deveria ser tão natural como respirar. Nas questões de consciência não há partidos.

Não haverá espaço, portanto, para interpretações partidárias.
Quando a questão se colocou tive a oportunidade de colocar duas questões: a primeira é que entendia que o primeiro-ministro tinha utilizado o referendo como uma mera questão de agenda política. Isso, eu não deixo de lamentar. Basta olhar para o timing com que o Partido Socialista geriu esta questão no Parlamento, ou seja, a primeira iniciativa para a realização do referendo. Isso foi uma infelicidade.
A segunda questão é a de que este referendo não é uma questão partidária e, portanto, os resultados não devem ter uma leitura partidária.

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