Paulatinamente, vários defensores do "não" afirmam-se a favor da despenalização das mulheres que abortam. Entendem que o aborto é crime, mas que a mulher não é criminosa. Tortuoso paradoxo! E é Marcelo Rebelo de Sousa (MRS) quem mais protagoniza esta nova vaga. Pretende despenalizar o aborto, independentemente do tempo de gravidez (!), sem o legalizar. Longe da vista, longe do coração. Para MRS, os problemas da actual lei (aborto clandestino e criminalização das mulheres) resolvem-se (ou não se resolvem) assim: "Abortem à toa, desde que ninguém tope." Obrigada.
MRS acha que as mulheres não devem ser criminalizadas, mesmo que abortem aos oito meses. Mas vai votar "não", porque não pode aceitar que seja a mulher - até às dez semanas - a decidir. Tudo menos a escolha da mulher. Isso é que não. MRS acha mesmo que há mulheres que abortam por "simples estados de alma". É um desrespeito pelas mulheres, para a esmagadora maioria das quais interromper uma gravidez é muito ponderado e muito difícil.
Ou seja, para MRS a mulher nunca deve ser criminalizada e nunca deve poder escolher. Logo, considera que toda a mulher que não deseja levar uma gravidez por diante é inimputável. E é a isto que chama liberalização? Assim, todas as mulheres que queiram abortar não são lúcidas, responsáveis ou capazes de decidir sozinhas. Deverão ser "acompanhadas" por uma qualquer junta médico-jurídica. Ou para MRS uma gravidez desejada é, em si mesma, um atestado de sanidade mental e chancela da autodeterminação (como terá chegado a tão radiosa conclusão?); ou também anseia por que as mulheres que desejam engravidar (e, já agora, homens que pretendam ser pais) sejam, previamente, sujeitas a uma bateria de testes psicológicos, por exemplo. E achará admissível que um psiquiatra estabeleça que uma mulher grávida de seis meses está mentalmente desequilibrada e que deverá abortar? Se o aborto for conduzido aos oito meses de gravidez, desde que não seja por decisão da mulher, já não há problema? Já não há vida?
Pergunta o leitor: "Como é que MRS e outros defendem que as mulheres que abortam não sejam criminalizadas, mas votam 'não' neste referendo?" Muito simples: Acreditando que as mulheres não são responsáveis pelos seus actos. Se calhar, nem deveriam votar. Pelo menos sem aconselhamento.
* Por Joana Amaral Dias,
Crónica publicada no Diário de Notícias, 29/01/2007
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2 comentários:
Para expressar a minha opinião, junto texto que dirigi ao próprio.
Exmo. Sr. Professor Marcelo Rebelo de Sousa:
A minha primeira indignação prende-se com o facto de ter visto, ontem, o espaço público de televisão – pago, por isso, por todos nós – a ser usurpado abusivamente para o Senhor fazer campanha pelo ‘Não’ (com oportunidade, inclusivamente, de divulgação do site, desenvolvido para o efeito). Mas desta eu tratarei em lugar próprio, junto de quem, gerindo de forma muito pouco cuidadosa aquilo que lhe é confiado, permite este tipo de abusos.
A segunda, talvez ainda mais brutal do que a primeira, prende-se com a forma absolutamente ofensiva com que o Senhor tratou as mulheres, dizendo-se ‘pelo não’ para que o abordo não seja praticado só ‘porque apetece’ ou por um mero ‘estado de alma’. A quem é que o Senhor se estava a referir ao proferir estas palavras? Julga o Senhor que somos um bando de levianas que nos levantamos de manhã e, assim como que em jeito de alternativa a umas compras, resolvemos ir fazer um aborto? Pensa o Senhor que o acto de abortar se prende com um mero ‘estado de alma’, em que a mulher, porque não ‘está nos seus dias’, e de forma totalmente irreflectida, resolve pôr fim a uma gravidez?
Pois saiba que não! As mulheres são cidadãs responsáveis, e às vezes tanto que acabam por arcar com a parcela que caberia aos homens, que como elas contribuíram para a gravidez, mas que, na hora das dificuldades, resolvem não assumir os deveres que lhes competiam.
Se quer defender ‘o não’, está no seu direito, mas assuma-o, na plenitude das respectivas consequências. Tenha coragem de dizer que quer ver as mulheres na cadeia – é a isso que a actual lei conduz e o Senhor, como professor de Direito, saberá melhor do que eu. Não queira manter uma posição de ‘nim’, num acto que só posso qualificar de total hipocrisia, ainda para mais à custa da desqualificação das mulheres.
Se quer defender ‘o não’, integre-se num desses movimentos legalmente criados para o efeito e use o tempo de antena respectivo e legítimo. Não queira fazê-lo, abusivamente, no espaço que é pago por todos nós.
Vamos evitar este tipo de terminologia, por favor... O aborto não é só, ou não deve ser, um problema da mulher! É um problema da sociedade! A resposta correcta e que fará o sim ganhar, ao conservadorismo, não é o feminismo! É a tolerência, a solidariedade e a responsabilidade! Este tipo de discurso emotivo, deve ficar para quem vem falar de moral e bons costumes e não para nós, que somos, não pelo aborto, mas pela tolerância e pela possibilidade de escolha. Essa deve ser a nossa posição!
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