Do Público.
Os referendos de 1998 e do próximo dia 11 são sobre o mesmo assunto, mas a mobilização cívica que geraram não está isenta de diferenças. Uma das grandes marcas desta campanha é a maior exposição pública de católicas e católicos que divergem da chamada posição oficial da hierarquia eclesiástica. Não é que, em 1998, essas vozes não existissem, mas, desta vez, resolveram fazer--se ouvir de forma muito mais concertada. E fizeram-no a nível nacional, mas também beneficiando da internacionalização que caracteriza muitos grupos católicos.
Foi nesse contexto que Alcilene Cavalcante, técnica da organização não governamental brasileira Católicas pelo Direito de Decidir, veio a Portugal para apoiar a campanha pelo "sim" de um grupo de crentes católicos portugueses que se associou aos movimentos pela despenalização da interrupção voluntária da gravidez até às dez semanas.
Coordenadora, há três anos, de um projecto no Brasil pela legalização do aborto - que só é permitido, naquele país, em caso de risco de vida para a mãe e de violação, sendo o aborto a quarta causa de mortalidade materna -, Alcilene Cavalcante vai percorrer Portugal - o PÚBLICO encontrou-a em Lisboa, mas a activista vai fazer sessões de esclarecimento nos Açores, Porto, Braga, Viseu e Coimbra - expondo a sua argumentação a favor da despenalização, que assenta nos "valores cristãos" da "solidariedade" e da "compaixão".
"O aborto não é um dogma religioso. Portanto, é passível de reflexão e de debate." Esta é a primeira frase que diz quando lhe pedem para explicar a sua posição. Sobre o facto de o aborto ser condenado no Direito canónico, a historiadora brasileira sublinha que o Direito canónico "não é uma revelação divina", tendo sido "elaborado e regulamentado pela hierarquia eclesiástica, composta hegemonicamente por homens, desligados da vida quotidiana das mulheres". "A mesma hierarquia eclesiástica que se diz em defesa da vida proíbe e condena o uso do preservativo, em tempo de pandemia de sida", realça.
Comungando da "teologia feminista", Alcilene Cavalcante destaca que "o pensamento cristão, especialmente o católico, é polifónico". "Há, no seu interior, diferentes concepções teológicas. A do Papa é apenas uma delas", afirma, lamentando que se silenciem "as vozes paralelas".
O facto de "todo o católico" ter de "prestar contas por meio da sua consciência" é outra das razões para que a activista brasileira tenha decidido lutar pela legalização do aborto. "O recurso à consciência é negado às mulheres como se elas não tivessem essa capacidade", critica.
O referendo de dia 11 de Fevereiro tem lugar de destaque na página das Católicas pelo Direito de Decidir - que há 13 anos desenvolvem trabalho nas áreas da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos no Brasil, com congéneres em toda a América (as Catholics for a Free Choice são uma organização muito representativa nos Estados Unidos) e também com uma representação na Europa.
No site, Alcilene Cavalcante dedica um texto ao referendo, no qual considera que a sociedade portuguesa decidirá "se vai optar pela via da democracia, segundo a qual os direitos básicos e individuais, de homens e de mulheres, devem ser respeitados" ou "se vai escolher manter a via do obscurantismo", em que "as mulheres ainda tenham que recorrer a práticas clandestinas e inseguras que colocam em risco suas vidas e saúde, além de serem condenadas a penas de prisão".
terça-feira, 6 de fevereiro de 2007
Revista de imprensa: "Pode ser-se católico e a favor da despenalização do aborto"
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